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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

All Blacks e o haka


Para aqueles que não estão familiarizados com o rugby, um dos países que é considerado como potência nesse esporte é a Nova Zelândia. A seleção é a atual campeã mundial: venceu a Copa do Mundo de 2011 jogando em casa depois ter vencido apenas a primeira edição em 1987 - também em casa. Apesar disso , sempre esteve entre as três melhores seleções do mundo durante as Copas - exceto em 2007, quando foi derrotada pela França nas quartas-de-finais - e no ranking da World Rugby. Aliás, deixou de liderar esse ranking em poucas ocasiões: desde finais de 2003, quando o ranking foi criado, só não liderou no começo de 2004, entre o final de 2007 e meados de 2008 (ainda nesse período liderou o ranking por algumas semanas) e no final de 2009.
Seus jogadores são considerados os mais talentosos do mundo. Um indicador disso é o World Rugby Player of The Year, prêmio dado pela World Rugby desde 2001 ao melhor jogador da temporada. Em 14 edições, a Nova Zelândia tem 20 indicações (contra 13 da segunda colocada África do Sul) e 7 vitórias (contra 2 da África do Sul e 2 da França, as segundas colocadas). Só Richie McCaw, capitão e jogador com mais partidas pela Nova Zelândia, tem 8 indicações e 3 vitórias. O outro único jogador a ganhar o prêmio mais de uma vez também é neo-zelandês: Dan Carter, vencedor por 2 vezes.
Esses dados podem ser encontrados nos verbetes New Zealand national rugby team e IRB International Player of the Year na Wikipedia em inglês.
Essa seleção é conhecida por All Blacks por uma dessas vicissitudes da história: em 1905, em sua primeira excursão pelas Ilhas Britânicas, a Nova Zelândia estava usando seu uniforme todo negro adotado em 1901. Após seu primeiro jogo, segundo um membro do time, Billy Wallace, um jornal londrino havia reportado que eles tinham jogado como se fossem "all backs", pois todos os jogadores corriam muito. Em tempo, backs (conhecidos como linhas no Brasil) são considerados como os jogadores mais leves e rápidos de um time. Voltando, temos que associando-se o uniforme todo negro e uma possível corruptela do jornal londrino (backs para blacks), teríamos uma das alcunhas mais famosas e vitoriosas do rugby mundial.

The Originals: os primeiros All Blacks, 1905
Além do uniforme, uma outra característica marcante dos All Blacks é o haka. O termo é uma designação genérica para danças tribais Maori, uma cultura de povos nativos da Oceania. A associação de uma dança maori com o time de rugby da Nova Zelândia data de de 1884 quando durante um tour por New South Wales, na Austrália, os neozelandeses, antes de cada jogo, realizavam um "grito de guerra Maori". Foi durante o tour pelo Reino Unido entre 1888-1889 que a seleção neozelandesa - que contava apenas com 4 não-maoris e ficou conhecida como New Zealand Natives - consolidou a tradição de realização do haka antes das partidas.
Em 1903, no primeiro jogo internacional da Nova Zelândia contra a vizinha Austrália, o haka utilizado foi o Tena Toe Kangaroo (Como está você, Canguru?, de acordo com a letra abaixo):

Tena toe, Kangaroo
Tupoto toe, Kangaroo
Niu Tireni tenei haere nei
Au Au Aue a!

Em uma livre tradução do inglês, temos:

Como está você, Canguru?
Olhe pra fora, Canguru!
A Nova Zelândia está invadindo vocês!
Ai ai ai de ti!

Em 1905, no tour que faria a Nova Zelândia ficar conhecida como All Blacks, a equipe realizou, ao menos antes das suas primeiras partidas, o Ka Mate. Esse haka tornar-se-ia o mais tradicional a ser realizado pelos All Blacks.


All Blacks fazem o Ka Mate antes de um jogo com a Inglaterra em 2004

Ka Mate originou-se por volta de 1820, quando o chefe tribal Te Rauparaha, então fugindo de seus inimigos, se esconde em um silo e milagrosamente se salva. Quando sai, há um homem a sua espera; mas era Te Whareangi, um chefe amigo. Feliz por ter se salvado, Te Rauparaha teria criado a canção que celebraria a vitória da vida sobre a morte. Na performance, normalmente o mais velho jogador com sangue Maori puxa a canção seguido pelos outros. Segue a letra e uma tradução livre do inglês:

a ka mate, ka mate
ka ora, ka ora
ka mate, ka mate
ka ora, ka ora
tenei te tangata puhuruhuru
nana i tiki mai whakawhiti te ra
a hupane
a kaupane
a hupane, kaupane
whiti te ra
hi!

Tradução

É a morte! É a morte!
É a vida! É a vida!
É a morte! É a morte!
É a vida! É a vida!
Este é o homem sobre mim
Que me permitiu viver
Que me pôs em pé
Pé ante pé
Rumo a luz do sol
hi!

Entre 1924 e 1925 uma equipe da Nova Zelândia excursionou Reino Unido, Irlanda, França e Canadá e ficou conhecida como Invencibles, pois não perdeu nenhuma partida dessa gira.
Os Invencibles realizaram um haka denominado Ko Niu Tireni (ao que tudo indica, nomenclatura Maori para Nova Zelândia). Esse haka foi criado pelo juiz Frank Oswald Acheson, da Native Land Court da Nova Zelândia, e por Wiremu Rangi, de Gisborne - uma região na ilha norte da Nova Zelândia. Originalmente, era composto por dois versos, mas o segundo ("Coloque suas equipes famosas em exposição e vamos jogar na amizade") foi retirado das partidas posteriores.
Segue a letra da primeira parte e uma tradução livre:

Kia whakangawari au i a hau
I au-e! Hei!
Ko Niu Tireni e haruru nei!
Au, Au, aue ha! Hei!
Ko Niu Tireni e haruru nei!
Au, Au, aue ha! Hei!
A ha-ha!
Ka tu te ihiihi
Ka tu te wanawana
Ki runga ki te rangi,
E tu iho nei, tu, iho nei, hi!
Au! Au! Au!

Tradução

Vamos nos preparar para a batalha
(som de preparação)
A tempestade da Nova Zelândia está prestes a quebrar!
(som de tempestade iminente)
A tempestade da Nova Zelândia aumenta sua força!
(sons do auge da tempestade)
A ha-ha!
Não teremos medo!
Exaltaremos nossos espíritos!
Subiremos aos céus!
Atingiremos o topo dos zênites!
Au! Au! Au!

Os jornais reportaram que tal haka foi realizado em resposta as canções entoadas pelas multidões nos estádios. De acordo com o verbete haka (sports) no item 4 "Ko Niu Tireni" 1924, no quinto jogo, realizado na cidade de Swansea (litoral de Galês), 40 mil galeses entoaram canções como Cwm Rhondda, Sosban Fach, Hen Wlad Fy Nhadau além do hino britânico God Save the Queen antes da apresentação dos All Blacks. Ainda assim, durante a apresentação do haka sempre havia silêncio - numa atitude que também se tornou tradicional no rugby.
Esse haka, com sua letra levemente modificada, aparece no romance Finnegans Wake (Finnicius Revém, no Brasil) de James Joyce. Clique aqui (em inglês) e aqui para mais informações sobre essa obra.
Já em 2005, num jogo do antigo Tri Nations - competição que reunia África do Sul (Springboks ou, simplesmente, Boks), os All Blacks  e a Austrália (Wallabies) - os neozelandeses realizaram um novo haka em seu jogo contra os sul-africanos, o Kapa O Pango. De acordo com o site oficial dos All Blacks, este haka foi criado por Derek Lardelli, um especialista na cultura e costumes Maori de Ngati Porou iwi. Estas seriam, mais especificamente, as tribos Maori da região de Ngati Porou, ao noroeste do território neozelandês - conhecido como East Coast e sede do time de mesmo nome. As palavras dessa canção celebrariam as terras da Nova Zelândia, a samambaia prata - símbolo do país e escudo da seleção - e os guerreiros de negro. O título, Kapa O Pango pode ser traduzido como "time de preto". Segue a letra e uma tradução livre do inglês:

kia whakata hoki au i ahau
hi aue, hi
ko aotearoa e ngunguru nei
au! au! aue ha!
ko Kapa O Pango e ngunguru nei
au! au! aue ha!
i ahaha
ka tu te ihiihi
ka tu te wanawana
ki runga i te rangi e tu iho nei, tu iho nei
ponga ra!
Kapa O Pango!
ponga ra!
Kapa O Pango!
aue hi!

Tradução

Leve-me de volta ao meu primeiro suspiro
Deixe minha força vital retornar para a Terra
Esta é a Nova Zelândia dos trovões
E esta é a minha hora!
É o meu momento!
A paixão aflora!
Isso nos define como os All Blacks
E este é o meu time!
É o meu momento!
O pressentimento explode!
Sinta o poder
Nosso domínio se ergue
Nossa supremacia emerge
Para dispor-se no alto!
Samambaia prata!
All Blacks!
Samambaia prata!
All Blacks!
aue hi!


All Blacks realizando o Kapa O Pango contra os Boks em 2005

Apesar de ser realizada a uma maior distância do time adversário do que a Ka Mate, a Kapa O Pango criou polêmica por conta de seu gesto final: o polegar simulando um corte na garganta. Mas essa não é a primeira vez que esta seleção cria polêmicas. A maior delas ocorreu em 1976, quando 33 países africanos boicotaram as Olimpíadas de Montreal no Canadá em represália a não exclusão da Nova Zelândia desses Jogos Olímpicos. Isso porque, mesmo com um boicote internacional  por causa do apartheid, os All Blacks foram até a África do Sul realizar jogos contra os Boks.
Voltando ao haka, clique aqui e veja um vídeo dos All Blacks sobre sua história. Observem que entre 50s e 1min26s há imagens históricas do haka. Clicando aqui, verá um vídeo de jogadores e do criador do Kapa O Pango falando sobre a música. Ambos os vídeos são em inglês e não estão legendados. E aqui você pode ver a reprodução do haka ao longo da história. 
Além da seleção neozelandesa, outras seleções da Oceania, como Fiji, Samoa e Tonga, também realizam seu danças de guerra tribais antes de seus jogos. Mesmo o HawaiʻWarriors, equipe de futebol americano da  University of Hawaiʻi at Mānoa, tem uma dança tribal realizada antes de seus jogos.
As informações sobre o haka, as letras e as traduções foram tiradas do site da New Zealand Rugby Union (NZRU) - clique aqui para vê-los. Outras duas fontes importantes na criação deste post foram o verbete haka (sports) no Wikipedia em inglês e um post do blog Papo de Homem. Preferi manter as letras do Ka Mate e do Kapa O Pango de acordo com o que foi encontrado no site oficial dos All Blacks, ainda que haja discordância no que tange a outras traduções. Por falar em traduções, como já escrito acima, as traduções do inglês para o português foram traduções livres minhas e, como em toda tradução, perderam um pouco do seu sentido original - ainda que não da sua grandiosidade

Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom, Leo. Parabéns pelo artigo!