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terça-feira, 22 de setembro de 2015

O rugby é ótimo. E ponto.

Placas com os valores e condutas do rugby no campo do Charruá (RS). Fonte: Rugby Clube.
O intuito deste post é ser educativo.
O que me motiva a escrevê-lo é o artigo que o jornalista Mauricio Barros escreveu em seu blog na ESPN no dia de hoje e repercutiu por toda a comunidade rugbier brasileira. Negativamente, é claro.
Se você não leu tal artigo, clique aqui e veja por si próprio.
O texto de Barros começa bem, fazendo um bom resumo sobre a origem moderna do futebol e do rugby. Porém, já ao final do terceiro parágrafo ele afirma que o rugby não obteve o mesmo alcance e fascínio do futebol. Ora, é fato que o futebol teve um alcance bem maior que o rugby pelo globo, mas dizer que o rugby não obteve o mesmo fascínio que seu irmão é entrar numa seara especulativa e psicológica de difícil mensuração. Afinal, como medir o grau de encanto que algo incute nas pessoas?
Na sequência, ainda que postule uma verdade - a popularidade do futebol é maior do que a do rugby -, Barros é extremamente infeliz ao usar a frase "não engraxa as chuteiras do futebol". Era mesmo necessário usar algo desse tipo, que pode ser tomado por ofensivo?
Continuando, Barros afirma que foi a cisão sobre a condução da bola que criou o abismo de desenvolvimento entre o futebol e o rugby. Ora, sobre qual desenvolvimento ele se refere? O rugby pode não ser tão (nem nunca ter sido) tão popular quanto o futebol, mas sempre foi uma modalidade esportiva relativamente organizada se se pensar que, desde a criação do esporte (1823 na lenda e 1871 na fundação da Rugby Football Association) até 1995, ele era um esporte essencialmente amador. 
No meu entender, o que diferencia a expansão do futebol e do rugby está muito mais associado a rápida aceitação de profissionalização daquele do que com a maneira de se conduzir a bola. Em A Dança dos Deuses (São Paulo: Companhia das Letras, 1ª reimpressão, 2007), Hilário Franco Júnior demonstra como a liberação da profissionalização do futebol transformou o esporte - e até então prática de lazer e formação moral - em um empreendimento capitalista (ver páginas 33-34). Com interesses financeiros em jogo e a necessidade de expansão do empreendimento para arrecadar mais capital, não é de todo estranho observar que o futebol tenha se tornado mais popular. Todavia, cabe entendermos que essa profissionalização não foi nem é gloriosa - a não ser para alguns poucos - e as condições nas quais ela existe, principalmente no Brasil, devem ser discutidas exaustivamente. Mas isso é assunto pra outra hora.
Na continuação, Barros passar a falar da liberdade e protagonismo da bola numa partida de futebol e de como os movimentos de corpo para conduzir a bola fazem do futebol algo gracioso e belo enquanto o Rugby é uma luta por território. Bem, não há como discordar da beleza e plasticidade do futebol. Nem mesmo dá pra se discordar que é necessário grande habilidade para se conduzir a bola de maneira magistral - ainda que os exemplos de sujeitos que castiguem a gorduchinha sejam mais numerosos do que os exemplos dos que a tratam bem. Mas não podemos dar protagonismo total à bola... Jogar sem ela é uma arte e um dos maiores a fazer isso foi Garrincha!
Também não posso concordar quando ele diz que trocar a bola do rugby por qualquer outro objeto não muda a essência do jogo, enquanto que no futebol isso não ocorre. Ora, como afirmei acima, a bola não é protagonista do jogo de futebol e a essência do futebol não se reduz à ela. Se assim fosse, apenas trocar passes e fazer malabarismos com a bola seriam suficientes para o jogo e o gol não existiria.
Além disso, dizer que a beleza e plasticidade estão ausentes do rugby e resumir o esporte a um carregar de bola com as mãos é mostrar-se desconhecedor do esporte. Se no futebol a bola precisa de um morrinho artilheiro para criar tocaias para decidir jogos, a relação entre bola e gramado no rugby é muito mais simples e tensa: deixe uma bola quicar no gramado durante um jogo de rugby para ver o que é brincar com o destino. E isso pra não falar na plasticidade de jogadas como palomitas e offloads e na beleza dos dummies ou das batidas de pés.
Bem, também é reducionismo barato afirmar que o rugby é violento e/ou se utiliza da violência em suas jogadas. Em primeiro lugar, é preciso entender que contato é coisa bem distinta de violência. E é preciso entender, também, que o contato é apenas um recurso do rugby e não sua essência, sendo usado quando necessários, mas sempre de maneira segura e respeitosa. Em segundo lugar, é preciso entender que violência é algo execrado do rugby: as regras do esporte - que são revistas a cada 4 anos - visam sempre manter a segurança dos atletas e coibir a violência. Atitudes violentas no rugby são severamente punidas mesmo que sejam "sem intenção", como as recentes ações de Moreno, futebolista do PSV Eindhoven (HOL), e Tevez, futebolista do Boca Juniors (ARG), ou que não sejam observadas pela arbitragem durante a partida. Ou seja, entendo que, violências a parte, o futebol pune menos as suas do que o rugby; ainda mais quando a subjetividade dos árbitros e aparente isenção dos dirigentes são duas das marcas registradas do futebol. Enquanto isso, o rugby tem condutas que visam deliberadamente coibir a violência, além de possuir códigos de conduta que condicionam o contato a algo corriqueiro ao jogo, mas que deve ser realizado de forma leal. Nesse sentido, ainda, vale lembrar que há a tradição do Terceiro Tempo no rugby: após a partida, as equipes e a arbitragem se reúnem para confraternizar e discutir sobre o jogo independente do resultado ou acontecimentos do mesmo.
Enfim, não dá pra dizer que rugby é só luta territorial pois há elementos que conduzem o esporte e as atitudes dos atletas e que transcendem o campo de jogo. Ou seja, também é cultura.
Continuando, certamente concordo que futebol é acaso e que a cultura sobre o mesmo é que ele deve se manter assim. Contudo, isso é cada vez mais raro de acontecer e é prejudicial ao esporte e ao business futebol. Ferran Soriano que o diga.Vejam o 7x1 e me digam se aquilo foi acaso, mística ou preparação. Vejam a situação atual do futebol brasileiro - dentro e fora de campo - e me digam se foi acaso, mística ou preparação.
Bem, não acredito que, exceção ao título e a passagem de mesmo teor no corpo do texto, Barros tenha sido desrespeitoso. Só acredito que ele tentou falar de um assunto utilizando parâmetros de comparação que ele não tem muito domínio. Fica a dica pra ele acompanhar, ao menos, os jogos da Copa do Mundo de Rugby que tenho certeza que o Ari, o Martoni, o Victor e o Joca vão esclarecer mais sobre o rugby pra ele.
Por fim, não vou comparar o rugby a uma dança pois não sou especialista em danças. Mas vou dizer que o esporte é sim luta, mas não violência. E é mágico. Nem tanto em seus resultados dentro de campo, que quase sempre são previsíveis (Grande Japão!), mas principalmente fora de campo. Com valores como Integridade, Respeito, Solidariedade, Paixão e Disciplina o rugby não tem como não ser mágico: ele te marca na alma e conduz não apenas as atitudes em campo, mas também nas atitudes da vida. E quando isso acontece, não precisamos que engraxem nossas chuteiras. Nós mesmos fazemos isso.

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